29 de jun. de 2017

A Senhora de Wildfell Hall - Anne Brontë


As icônicas irmãs Brontë (Charlotte, Anne e Emily) foram escritoras do século XVIII que desafiaram convenções e entraram para a história da literatura inglesa ao entregar ao mundo histórias como O Morro dos Ventos Uivantes (Emily), Jane Ayre (Charlotte) e Agnes Grey (Anne).

A mais nova das Brontë, Anne, também escreveu The Tenant of Wildfell Hall, em 1848, que a Editora Record traduziu como A Senhora de Wildfell Hall nessa linda edição de texto integral lançada em maio.

A estrutura do texto chama atenção: iniciada como uma carta sem data do narrador para seu amigo Halford, ele se predispõem a contar uma história "detalhada e interessante dos acontecimentos mais impressionados de sua juventude". Na carta, o narrador comenta que, na época em que o amigo lhe contara sua história, ele ficara magoado por ele não tinha nada para lhe contar em retribuição. Mas que agora, era, segundo ele, o momento propício para relembrar o passado.

E assim retornamos ao outono de 1827: Gilbert Markan é um fazendeiro de um condado não especificado que se manteve no ofício do pai a seu pedido, não desejado nada para o filho além da segurança que a propriedade da família pudesse lhe proporcionar. A cidade é pequena (ao ponto que somente três ou quatro famílias merecem algum destaque), todos se conhecem a anos e a fofoca corre solta (como em toda cidade de interior da época imagino).

As velhas fofocas recorrentes são esquecidas quando uma estranha chega à cidade e ocupa Wildfell Hall, a antiga casa do maior proprietários de terra da vizinhança, abandonada a mais de quinze anos, quando seu atual dono mudou-se para uma residencia mais moderna e mais próxima da cadela local.

A nova moradora, uma jovem viúva de 20 ou 25 anos, mudou-se com o filho de cinco anos e parecia mais que determinada em manter-se o mais socialmente afastada que fosse possível (o que era bem pouco para seu gosto graças às vizinhas que usavam de qualquer artifício para aproximar-se dela e lhe arrancar informações sobre seu passado).

De maneira suave, e sem qualquer segunda ou terceira intenção, Gilbert e Sra. Graham, mais tarde, Helen, passam a dividir uma amizade tenra, mas que ela, ao perceber que ele alimentava sentimentos além da amizade, advertiu-o que nada além de amizade poderia acontecer entre eles.

Depois de alguns capítulos dolorosos, o segredo de Helen nos é revelado, por meio de seu diário pessoal, que ela entrega a Gilbert para que ele pudesse entender seus motivos. Achei incrível como ela conseguiu mudar os narradores sem mudar a estrutura da narração e nem o tom da fala. tanto um quanto o outro, expuseram seus sentimentos e segredos no papel de forma tão similar que não me admirou ter nascido um sentimento mais forte que a amizade.

A leitura não é do tipo que se pode fazer apressadamente (aliás, se não me falha a memória, poucos entre os escritos no século XVII possuem essa característica), Anne te convida a uma leitura calma e reflexiva dos personagens e da sociedade que os cerca. Aliás, A Senhora de Wildfell Hall, assim como o livro anterior da autora, Agnes Grey, se mostrou ser uma crítica escancarada aos costumes da época, em especial à condição da mulher.

22 de jun. de 2017

Cinder - Marissa Meyer


Cinder é uma garota de dezesseis anos que tem algumas particularidades bem singulares: primeira, ela é a melhor mecânica da região (dizem que de toda Nova Pequim), segunda (e, na verdade, razão da primeira particularidade), ela é um ciborg, uma humana "concertada" com partes mecânicas (no caso dela, um pouco mais de 36 por cento do corpo, incluindo aí uma painel de controle capaz de baixar, por exemplo, esquemas mecânicos de toda e qualquer máquina que possa precisar de reparos.

Adotada por um casal quando ainda era muito criança, Cinder foi transformada em capacho doméstico após seu pai adotivo morrer. Sob a tutela de sua madrasta e de suas duas filhas (uma odiosa, outra não), ela é obrigada a trabalhar em um estande de mecânica para sustentar, sozinha, toda a família.

Até que em uma fatídica tarde sua alteza imperial, o príncipe Kai, a procura na oficina e pede que conserte seu androide doméstico o mais rápido possível, de preferencia antes do baile anual. Até aí, beleza, mas (só para desandar um pouquinho), a irmã "não-má" é contaminada pela letumose, uma epidemia de nível mundial, altamente contagiosa, sem cura e que mata dolorosamente rápido. E só para piorar mais um pouquinho, sua madrasta a entrega como voluntária para um programa de pesquisa de doenças que usa ciborgs como cobaias. E ninguém nunca voltou de lá para contar a história.

A história se desenrola como quem não quer nada. Apenas uma garota de dezesseis anos sustentando a casa em que convive com pessoas detestáveis e falando (e pensando) excessivamente demais no príncipe imperial. Mas ok, né, ela só tem dezesseis anos.

Aí a história começa a se formar e você percebe que não é só uma garota tentando viver sua vida comum. Em resumo: a leitura é boa, e a história é tranquila a ponto de você não ver as páginas passando. Não é exatamente uma maravilha, embora tenha melhorado bastante quando o príncipe ficou em um plano diferente que o primeiro (talvez em algum lugar entre o primeiro e segundo plano) mas, ainda assim, me deixou curiosa relação ao próximo livro (que já pedi emprestado por sinal).

19 de jun. de 2017

A Filha do Sangue - Anne Bishop


O mundo de A filha do Sangue é diferente de tudo o que já li até agora. 

Nesse mundo, a magia é proveniente de Joias de Poder e a hierarquia é matriarcal. Àqueles que são atribuídas Joias, diz-se que pertence aos Sangue. Os machos, que, assim como as mulheres, podem, ou não, possuir uma Joia tem a função de proteger e servir às Rainhas, regentes do Sangue, coração da terra e centro moral do povo de seu território.

Houve um tempo em que o conceito de servir à sua Rainha era a gloria e honra de um macho. Mas a essência dos Sangue foi corrompida, e eles passaram a ser brutalizados desde a infância e a servir de escravos dos caprichos de Rainhas gananciosas e cruéis. 

Séculos se seguiram à profecia. A Feiticeira passou a ser mais uma lenda entre tantas outras que povoavam a história da terra... Até que uma criança de cabelos dourados e travessos olhos azuis-safira perturbou a raiva e o clamor de Daemon SaDiabo, um Príncipe dos Senhores da Guerra. Raiva por terem feito o que fizeram a seu amado irmão, clamor por uma Rainha que respeitasse e acreditasse.

Em outra parte do mundo, no Inferno, para ser mais exata, um outro ser, mais antigo e mais poderoso que Daemon também aguardava, impelido por uma promessa feita séculos antes de esperar a filha de sua alma. O inferno não é um lugar para os vivos, mas uma garotinha brilhou no mundo escuro e Saetan SaDiabo viu diante de si a Feiticeira a quem esperava.

Jaenelle Angelline, doze anos, conhecida em muitos lugares (lugares demais não necessariamente localizados no mesmo plano) está no centro de tudo. A "Feiticeira", aquela que restaurará os Sangue ao que era, ao que nunca deveriam ter deixado de ser.

A narrativa começa complicada. Não complicada de difícil, mas complicada de confusa. Os nomes, títulos e a dinâmica do universo de Anne Bishop embaralham a mente e a linha da narrativa é difusa. Mas então todas as cenas aparentemente soltas se conectam a uma progressão e tudo passa a fazer sentido. E é genial, incrivelmente bem construído e sedutoramente viciante.

15 de jun. de 2017

O Livro de Sangue e Sombra - Robin Wasserman


Nora Kane é uma estudante de 15 anos que, graças a seu excelente conhecimento em latim (idioma que aprendeu com o pai e que passou a ser um refúgio quando as atribulações começaram em sua casa), conseguiu uma vaga no grupo de pesquisa da universidade local sobre um alquimista do século XV.

Relegada à tarefa (um tanto secundária) de traduzir as cartas enviadas pela filha do alquimista ao seu irmão mais velho, Nora acaba encontrando uma pista sobre a Lumen Dei um prodígio da engenharia da época que, segundo dizia a lenda, dava ao homem o conhecimento divino direto de sua fonte.

A noite da comemoração pela descoberta que asseguraria o futuro acadêmico de todos os envolvidos não terminou exatamente como o previsto: Chris, seu melhor amigo, morto a facadas em sua própria sala de estar; Adriane, sua amiga e namorada de Chris, catatônica ao lado do corpo com cortes em ambos os lados da boca; e Max, seu namorado. não apenas desaparecido como principal suspeito do crime.

Nora não acredita que a culpa tenha sido de Max. Como poderia? Mas como ele pode deixá-la sozinha para enfrentar o que aquele assassinato horrível causou?

De alguma maneira ela sabe: a chave para encontrar o assassino de seu melhor amigo e Max e inocentar seu namorado das acusações contra ele está em Praga, a cidade onde a lenda da Lumen Dei sobrevive em meio a criptas, igrejas, cemitérios e séculos de histórias.

Robin Wasserman é uma autora a ser vigiada de perto: trama inteligente, excelente estilo narrativo, boa construção de personagem e enredo bem formulado. A história te prende até a última linha e, ao final, você consegue sentir exatamente como Nora: não há como sair ileso. A partir dali a questão é como sobreviver depois do ocorrido.

Fazia muito que não encontrava uma história tão boa assim. A leitura foi excelente e definitivamente a recomendo.

8 de jun. de 2017

Por Que eu Leio?


A resposta a essa pergunta mudou ao longo dos anos.

A primeira resposta seria "porque era o que dava para fazer sozinha". Pois é. Filha única, vivendo em uma rua em que os filhos dos vizinhos tinham quinze quando você tinha nove e sofrendo (um certo grau de) bullying na escola. Brincar de boneca no tapete da sala era divertido, mas chegava um momento em que o tédio dominava e seus pais queriam ver TV sem pisar em coisas de Barbie por toda a sala. Ver minha mãe lendo me incentivava a me perder por horas e horas em Um Tesouro de Contos de Fadas, livro ainda hoje muito querido e jamais esquecido.

Alguns anos mais tarde, a resposta se desdobraria para "leio porque é seguro e divertido". Por essa época, confesso, os livros disputaram (e quase perderam) espaço para outras formas de entretenimento. Foram momentos difíceis, em que muitas vezes eu me perguntava se havia algo de errado comigo, ou por que as pessoas ao meu redor (leia-se, principalmente, coleguinhas de escola) não gostavam de mim, mas também foram meus momentos mais maravilhosos: foi a época em que fui à Nárnia e à Terra Média pela primeira vez. Recebi a carta de Hogwarts pouco tempo depois.

A parti desse ponto, passei a ler por uma mistura de escape, prazer e conforto (não necessariamente nessa ordem). Lugares distantes, duelos ousados, feitiços e príncipes disfarçados me disseram, continuamente, e de diferentes maneiras, que tudo bem ser diferente e que eu não estava sozinha. Ia ser difícil, as pessoas iriam tentar me machucar, mas eu ia conseguir passar por aquela fase. Sempre haveria um mago cinzento gritando ao monstro que ele não passaria. Ou uma criatura prateada (que hoje deve se parecer com um cachorro) mantendo as trevas longe. 

Os livros me davam força e conforto, e ainda dão para falar a verdade.

Mais ou menos no Ensino Médio, graças ao meu professor de literatura, minha cabeça assimilou que os livros gravam, em maior ou menos grau, a época em que em foram escritos, e que obras de cem, cento e cinquenta anos podem vencer a brevidade de uma vida. Sempre fico embasbacada com isso. Conseguem imaginar algo de mil e duzentos anos ainda vivo e presente? Ou de dois mil anos? Então, alguns de nossos conhecimentos podem datar de ainda mais longe e, no entanto, os usamos cotidianamente. Ideias utilizadas por algum autor do século passado são re-inventadas e usadas no estouro de vendas atual. É o mesmo, mas é diferente. É todo um universo ressurgindo de suas cinzas para continuar vivo.

Hoje, eu posso dizer que leio porque os livros me confortam, me dão força e me mostram que existe muito mais lá fora do que sonha minha parca filosofia. Graças aos livros, vivo, viajo, aprendo, construo, destruo e refaço tudo de novo.

Leio para conhecer a mim mesma e ao outro. 
Leio para me conectar ao passado, ao presente e ao futuro. 
Leio para suportar a solidão e manter a sanidade. 
Leio para esquecer e curar meus machucados e para reforçar minhas defesas contra pancadas alheias. 
Leio para me incentivar a não desistir. 
Leio para continuar acreditando.

E vocês, por que leem?

(Essa postagem foi baseada em uma pergunta da Editora Harper Collins em comemoração aos duzentos anos da existência da editora.)

5 de jun. de 2017

Belas Maldições - Terry Pratchett e Neil Gaiman


Céus e Infernos decidiram, e o mundo está com seus dias contados. Anos, para ser mais exato. Dali a exatos onze anos, O Grande Plano Divino será concretizado. Não há como escapar do Grande Final. A não ser que uma freira satanista entregar o bebê Anticristo para o casal errado.

Junte a isso um anjo e um demônio que veem nessa guerra a perda iminente de suas tão confortáveis (embora não exatamente pacatas) vidas terrenas. Ao perceberem o rumo inesperado do plano que fora planejado séculos e séculos atrás, os dois não sabem direito como agir: seguir o plano original e lutar na Guerra Celestial mais uma vez ou tentar um plano B, mesmo sabendo que eles podem (quase com certeza) enfrentar o resto da Eternidade sofrendo as consequências de sua provável falha.

Querendo evitar o Armagedon e encontrar o Anticristo perdido (que agora é um garotinho de onze anos que vive numa cidadezinha tranquila do interior) eles também encontram uma jovem ocultista dona do único livro da humanidade que prevê, com uma assombrosa exatidão, os acontecimentos do fim do mundo, a existência de caçadores de bruxas e, (por que não?) os cavaleiros do Apocalipse (em suas versões século XX).

Aziraphale (o anjo) e Crowley (o demônio) precisam ser rápidos, o tempo não é a única coisa que está acabando.

De modo geral, a história possui três momentos: o início, com Aziraphale e Crowley conversando nos primórdios da criação, o "onze anos antes", e o Armagedon e consequências. Para ser bem sincera, a parte que mais gostei, e a que fez a leitura ser a mais divertida de todo o livro, foi o final da terceira parte (as consequências). 

No mais, a coisa toda é tão absurda e aleatória quanto a mente fértil de uma criança de onze anos de idade cuja ideia de passatempo é "aprontar" na vizinhança de uma cidade pequena e "enfrentar" o "valentão" da escola.

Achei interessante a maneira como os quatro cavaleiros do Apocalipse foram trabalhados, a adaptação deles ao século XXI foi bem feita (especialmente o Morte, sei lá, achei digno *risos*).

Pessoalmente, este livro não faz jus à toda fama de bom escritor que Neil Gaiman tem (tudo bem que não posso falar muita coisa sobre ele, mas sempre se espera mais de alguém que é tão elogiado pela sua boa escrita).

1 de jun. de 2017

A Aventura do Estilo - Henry James e Robert Louis Stevenson



Apresentada pela mestre em Teoria da Literatura e em Literatura Comparada pela USP, Marina Brendan, o livro A Aventura do Estilo, reúne algumas correspondências trocadas entre os autores ingleses Henry James (1843-1916) e Robert Louis Stevenson (1850-1894) e alguns ensaios que um fez sobre a pessoa e a literatura do outro.

A relação entre esses dois autores tão diferentes (mas nem tanto) em sua produção teve início em  abril de 1884, por meio do ensaio "A Arte da Ficção" escrito por H. James e publicado na Longman's Magazine, ao qual R.L. Stevenson respondeu, publicamente com "Um Humilde Protesto", publicado na mesma revista, em dezembro do mesmo ano. O educado debate literário iniciou uma contínua troca de cartas entre os dois, onde ambos falavam sobre suas vidas, sobre suas produções, e também sobre o cenário literário que eles habitavam.

Ao encontrar este livro nas news da Rocco, confesso que não sabia exatamente o que esperar, tive experiências anteriores com os dois autores, é verdade, mas conhecer uma pessoa por meio de sua obra é uma coisa que não necessariamente corresponde à esfera pessoal desse indivíduo, mas fiquei animada com ele desde a leitura das orelhas: diante de mim esteva o registro de dois autores que sobreviveram ao teste do tempo, e eu só conseguia me sentir como uma mosquinha presenciando o encontro de dois gigantes.

Me surpreendi com os dois autores na verdade. E mais ainda por ver que nós leitores sofremos de dramas bastantes parecidos com os dramas vividos pelos leitores de antigamente: o drama de esperar a continuação de uma história, a vontade quase incontrolável de ajoelhar-se diante de seu autor favorito, as discussões intermináveis sobre o andamento das leituras e sobre o estilo de escrita alheio.

As cartas, infelizmente, rarearam depois que Stevenson mudou-se para Samoa (Estados Unidos) por causa do péssimo sistema de correios da ilha, ainda assim, os dois mantiveram a amizade viva até a repentina morte de Stevenson em 1894. E é de James, falando sobre Stevenson os dois ensaios que encerram este livro.

É triste ver que um livro tão rico desperta tão pouco interesse. Para se ter uma ideia, na página do skoob, apenas 20 pessoas o marcaram como "quero ler", e apenas uma, eu, no caso, o está lendo.